quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Primórdios


Às vezes, o tempo me traz
Lembranças do meu inconsciente.
Elas vêm lá de trás...
De um cantinho escondido,
Protegido das maldades do mundo.
Outro dia, me vi nostálgico
A divagar sobre o tempo
Em que eu ainda era pequeno.
A mais remota das lembranças,
Me vêm com o cheiro de fogão à lenha.
Chorava indignada a madeira verde,
No fogo crepitante e sedento de fome.
Ela protestava com tanta fumaça
E estalos de tamanha tristeza
Da sorte que lhe tinham legado.

Dessa época remota,
Primórdios da minha existência,
Não tenho recordações
Dos meus pais nem dos meus irmãos,
Mas, eu me lembro de Dona Zefinha,
Anciã castigada pela lida.
Mulata bondosa, carinhosa...
Encorpada num vestido rodado
De chita, todo floreado.
Com seu inseparável cachimbo,
Ela cuidou de mim,
Me dava banho de cuia,
Um monte de carinhos
E cantava para eu dormir
Protegido e aquecido em seus seios.
Ninando, ela sempre me pedia
Para que eu fosse um menino bom.
De Dona Zefinha Mulata,
Eu nunca esqueci.

Tenho lembrança da minha casa,
Ela era de barro. Ela era coberta
Por folhas secas de coqueiro.
Hoje eu sei que era de taipa.
Ela deitava para um lado,
Mamãe dizia que era culpa
Dos ventos e das chuvas.
E foram tantas em minha vida!...
Mas eu sei que era culpa do barro.
Era pobre a minha casinha!...
Quando viajo por minha infância,
Sempre me vejo descalço
No chão de barro socado...
Onde aprendi a dar
Os meus primeiros passos,
Onde caí nos primeiros tombos...
Onde aprendi que a vida poderia ser dura.
Foi por causa deste chão que nasceu
Toda a minha vontade de vencer...

Encostado na parede de taipa,
Cambaleante de um lado,
Ficava o meu berço
De madeira modesta.
Nele, às vezes,
Eu me sentia seguro,
Outras, preso...
Pelas frestas da parede,
E, eram muitas,
Eu via o mundo lá fora, passando...
Tão apressado e desconhecido.
Tão escondido de mim.

Que saudade da minha charretinha!
Ela era de plástico colorido.
De rodinhas amarelas,
Com detalhes em azul, verde e vermelho.
Um belo cavalinho branco raçudo
E um charreteiro incansável...
Como eu gostava dela!
Ela era tudo o que eu tinha
De mais precioso.
Era o meu sonho de liberdade,
Mas se perdeu no tempo,
Tudo ele levou...

Quando a noite chegava sonolenta,
Eu ficava brincando em meu berço,
Sozinho com todos os meus temores...
Deus, como eram muitos!
Lá na calada da noite,
Desconfiado, eu espiava
A madrugada esperando o dia.
Eu tinha medo dos sons noturnos,
Da escuridão traiçoeira,
Do desconhecido,
Do futuro que chegava...

Os vultos da madrugada
Sempre vinham me assustar.
Mas eu estava em meu berço,
Eu tinha o meu cavalinho branco...
Mesmo assim, eu temia...
Deus, como eu os temia!!
Eu me escondia por debaixo
Do meu lençol molhado...
E choramingava assustado
E, eles passavam misteriosos,
Cada um com sua história.
E nada me acontecia
Porque não eram as minhas!...

Hoje, só restaram as lembranças
Da minha charretinha colorida,
Do meu cavalinho branco,
De Dona Zefinha Mulata.
Ainda tenho medo da noite,
Os vultos ainda passam misteriosos...
Com outras histórias,
Com novos segredos,
Maiores... Mais sigilosos... Meus.

Mas quando eu crescer,
Não vou esquecer de mim.
Eu vou ser um menino bom,
Vou ter tudo que sonhei:
Uma charrete de verdade
(com um cavalinho branco, claro!)
E um amor para amar e viver.
Quando eu crescer,
Eu serei o charreteiro...
E não deixarei
Que nada mais seja levado
De mim outra vez.

CLÁUDIO AVELINO DA COSTA, O POETA DOS SENTIMENTOS.

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